12 de Janeiro, 2015
Obesidade é fator de risco crescente para o câncer no mundo
Luís Martins
Oncologista diz que obesidade é fator de risco crescente para o câncer no mundo
Em entrevista, Paulo Hoff, médico do Hospital Sírio-Libanês e único diretor brasileiro da Sociedade Americana de Oncologia Clínica afirma que excesso de peso é uma ameaça cada dia maior
Paulo Hoff alerta para a importância da prevenção Marcos Alves
É impressão, excesso de otimismo, ou os casos de cura de câncer aumentaram?
Aumentaram bastante. Em dois eixos. Existe, de fato, um aumento no número de cura de casos de câncer. Não é tão rápido quanto gostaríamos, mas em países como os EUA, por exemplo, já são curados 70% dos casos. Há duas décadas, esse percentual era de 60%. Mas uma outra coisa que aconteceu foi que, mesmo em casos em que não há cura, houve um prolongamento da sobrevida com tratamentos. Ou seja, muitos tratamentos permitem que a doença se torne crônica, permitindo uma vida mais longa e com qualidade.
A expectativa de vida no Brasil vem aumentando significativamente. Devemos esperar um aumento proporcional no número de casos de câncer?
Em 1980, pirâmide populacional era uma pirâmide; hoje é quase uma coluna. Não há mais aquela base larga, com muitos jovens, e a ponta, com poucos idosos. Há um equilíbrio muito maior. Ou seja, há um aumento do número de pessoas em idade de risco de câncer e é muito provável que haja um crescimento substancial do número de casos nos próximos anos. Mas isso não se perpetua. Nos EUA, por exemplo, já há queda na incidência de certos tipos de câncer. Então, os casos aumentam, alcançam um platô e, depois, tendem a cair.
Por que?
Por conta dos hábitos da população e do aumento do rastreamento. Para se ter uma ideia, hoje, no Brasil, o câncer de pulmão não está nem entre as três principais causas de morte pela doença. Nos EUA é a principal causa de morte. Isso porque temos um perfil epidemiológico diferente, o percentual de fumantes em nossa população é de 12%, um dos mais baixos do mundo, graças às campanhas que foram feitas. Acho importante ressaltar isso porque a gente tende a prestar atenção apenas ao que não dá certo.
Há uma impressão generalizada de que cada vez mais, pessoas mais novas estão tendo câncer. Por que isso está ocorrendo?
Não há ainda dados epidemiológicos que confirmem isso, mas essa também é a impressão que nós, médicos, temos no consultório. É possível que haja uma tendência começando ainda não cristalizada nas análises. Temos que esperar para entender se está acontecendo realmente ou se a impressão ocorre porque estamos detectando a doença cada vez mais precocemente, em pessoas mais jovens; em vez de a detectarmos em estágios mais avançados em pessoas mais velhas.
Se, de fato, pessoas mais jovens estiverem desenvolvendo a doença, qual seria a explicação mais provável para isso? Já há alguma pista?
Um dos pontos levantados pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica é que, com a queda do tabagismo no mundo todo, outros fatores de risco de câncer vêm surgindo e um dos principais deles é a obesidade. Alguns mais pessimistas acreditam que, se o aumento da obesidade continuar no ritmo atual, ela vai rapidamente suplantar o cigarro como principal causa do câncer. Talvez essa seja a razão para o aumento de casos de câncer entre pessoas mais jovens em países emergentes e desenvolvidos.
Qual a relação entre excesso de peso e câncer?
O metabolismo hormonal é alterado nas células de gordura. Há uma expressão maior, por exemplo de fatores de crescimento e de outros fatores correlatos que servem de estímulo aos tumores. Os obesos sofrem de uma inflamação crônica no organismo, o que também é um fator de risco importante. Há uma conjunção de fatores que faz com que a população obesa tenha um risco maior de câncer.
Muita gente atribui à alimentação moderna, supostamente cheia de cancerígenos, o aumento do número de casos. O que há de verdade nessas alegações?
É sempre complicado generalizarmos essas asserções porque todos ficam apavorados. Eu diria que há um fundo de verdade nessas alegações. O excesso de produtos químicos pode ter um impacto, mas não tão grande quanto costumam acreditar. Por exemplo, no ano passado, o governo americano suspendeu a compra de suco de laranja brasileiro porque havia sido usado um produto contra fungo potencialmente cancerígeno. Isso existe. Mas é importante ressaltar que, nas últimas décadas, o conhecimento vem aumentando muito e eliminamos muitos desses produtos da cadeia alimentar.
Há algum alimento na dieta brasileira que o senhor aconselharia a evitar?
Acho muito importante que a gente não transforme isso em um problema. Não há nenhum alimento a ser evitado. Basta ter uma dieta balanceada que se evita a eventual concentração de excesso de toxinas. O que recomendamos é o bom senso, evitar o excesso de gordura, comer cinco porções de frutas e verduras, não exagerar na carne vermelha e praticar atividade física. O sedentarismo é um outro fator de risco.
Há um consenso de que os processos inflamatórios são também um importante fator de risco. Alguns especialistas recomendam o uso preventivo, diário, do ácido acetilsalicílico em pequenas doses. O senhor acha essa abordagem válida?
O ácido acetilsalicílico tem um impacto importante no ciclo do ácido araquidônico do qual deriva a prostaglandina, uma substância relacionada a tumores de intestino e pâncreas. O problema é que também tem efeitos colaterais, como sangramento e úlcera. Mas essa é uma nova área de grande interesse, a da quimioprevenção. Há vários anti-inflamatórios sendo estudados. Hoje, recomendamos esse uso preventivo para os pacientes que têm um risco aumentado.
O senhor acha o teste genético para avaliação de risco uma ferramenta válida ou algo que pode gerar reações como a da atriz Angelina Jolie que, recentemente, fez uma mastectomia preventiva?
O teste genético é o ápice de um processo para identificar o risco familiar. Pessoas que têm parentes com câncer devem discutir com um oncologista se estão em grupo de risco. Se ficar definido que estão, então vão ao geneticista e o teste é pedido. Há, inclusive, acompanhamento psicológico, porque podem haver decisões difíceis a serem tomadas, como a da Angelina Jolie. E, em alguns casos, está demonstrado que são importantes e diminuem mesmo o risco de câncer.