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Luís Virtual

Luís Virtual

30 de Maio, 2015

Especialista fala sobre religião e internet

Luís Martins





MATÉRIA ANTIGA...INTERESSANTE

O fenômeno da midiatização do sagrado está cada vez mais presente nos meios de comunicação. Essa realidade começa agora a se manifestar também nas mídias digitais, com destaque para as redes sociais, sites, blogs e afins, que formam o chamado ciberespaço.

Foi atento a essas transformações que o historiador Jorge Miklos fundamentou sua tese de doutorado em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). A pesquisa deu origem ao livro Ciber-religião – A construção de vínculos religiosos na cibercultura. A obra acaba de sair do forno e será lançada pela Editora Idéias & Letras no início de setembro.Com exclusividade, Miklos fala ao JS sobre os aspectos abordados no livro, explicando o significado de expressões como ciber-religião, ciberperegrinação, virtualização da fé e a implicação de mudanças relacionadas a elas na vida social e religiosa.






Como surgiu a ideia de escrever sobre o tema e quais são os propósitos da obra?

Jorge Miklos – A ideia surgiu quando eu comecei a perceber um maior protagonismo das religiões, das Igrejas nas mídias – no rádio, na televisão e na internet. E também surgiu a ideia de perceber em que circunstâncias essa contaminação dos formatos midiáticos poderia alterar ou não determinados tipos de experiências religiosas.

Um caso emblemático foi quando eu comecei a perceber que as missas transmitidas pela televisão foram migrando aos poucos para a internet. O propósito do livro, na verdade, é fazer uma análise acerca dessas experiências religiosas no contexto da cibercultura, ou seja, da internet.





O que é a ciber-religião e quais são as principais experiências que se pode destacar dessa nova modalidade de conexão com o divino?

Miklos – A ciber-religião resume-se a experiências religiosas que ocorrem no ciberespaço, nessa nova modalidade espacial que se construiu socialmente por conta da proliferação da cibercultura. É uma espécie de hibridação entre a técnica e o sagrado. As experiências religiosas que estão mais presentes hoje na ciber-religião são a vela e o terço virtual. Há também o velório e a peregrinação virtuais.

Essas experiências deslocam-se do campo físico, do espaço tradicional propriamente conhecido, para o campo do ciberespaço, que constrói uma nova modalidade do real, que é o virtual.






Quais são as principais alterações sofridas pelas experiências religiosas quando migram para o ciberespaço?

Miklos – São muitas. Na verdade, nós estamos vivendo, não só no campo religioso, mas no campo social, muitas mudanças na vida social, no cotidiano, por conta desse alargamento do ciberespaço.

Eu acredito que uma delas é o que muitos especialistas chamam também de desmaterialização, ou seja, aquilo que antes possuía uma realidade física, sensível a nosso sentido, agora se desmaterializa, passa a ser uma experiência cujo suporte físico não é mais determinante.

Como o espaço e o tempo são fundamentais para a experiência do sagrado, parece-me que as experiências e os vínculos religiosos no ciberespaço alteram profundamente essas experiências. Agora o corpo não precisa mais estar presente no templo, na peregrinação. O corpo agora passa a ser sacrificado na experiência do ciberespaço.





Será que a ciber-religião não pode provocar certo distanciamento do corpo e dos espaços materiais, tão necessários à experiência religiosa e à comunicação?

Miklos – Sem dúvida. O uso das novas tecnologias comunicacionais provoca mudanças no comportamento das pessoas. Mas isso não acontece só na religião. Está ocorrendo na educação, no mundo do trabalho e em todos os campos da vida social.

Na minha pesquisa, eu concluo, como resultado disso, que está acontecendo sim uma mudança na experiência religiosa, em que o corpo, que antes era fundamental para essa experiência com o sagrado, com o divino, passa agora a ser descartado, na medida em que eu consigo acessar o divino pela internet.

O que não significa, em hipótese alguma, que está acontecendo uma crise de fé, ou uma crise das religiões. Não é essa a questão. A fé continua forte, sobretudo no campo da vida social. Porém, o que se altera é a experiência dessa fé. A experiência social religiosa.



A ciberperegrinação é outro aspecto abordado no livro. Essa prática não tiraria todo o sentido da peregrinação original, que está intimamente relacionada à história da Igreja e das devoções?

Miklos – O último capítulo do meu livro é exatamente sobre o que eu chamo de ciberperegrinação, ou seja, a peregrinação no espaço virtual. Então, o Caminho de Santiago de Compostela, o Vaticano e o próprio Santuário de Aparecida são também acessíveis por esse meio.

As pessoas têm acessado com muita frequência e tudo o que é novo causa certo estranhamento, sem dúvida. Penso que essas tecnologias vão alterar significativamente as experiências religiosas. Disso eu não tenho dúvida. Assim como elas já estão alterando as relações sociais. E isso tem-se tornado cada vez mais imperativo.

Mas a história tem mostrado que a adesão da sociedade às novas tecnologias não descarta as antigas. Eu acredito que a ciberperegrinação não vai acabar com a peregrinação física, material, como a gente conhece tradicionalmente. As duas vão coexistir e obviamente haverá diferenças nítidas entre uma e outra experiência.



Que contribuições essa obra pode oferecer aos estudiosos de religião, comunicação, aos religiosos e ao público em geral?

Miklos – Eu acredito que são pelo menos três. A primeira é tentar olhar para o fenômeno, que é complexo, por um eixo epistemológico interdisciplinar, tanto usando referenciais teóricos do campo da comunicação, da cultura e da cibercultura, quanto das ciências da religião.

A outra é perceber também o fato de as Igrejas estarem usando as ferramentas comunicacionais e essas ferramentas estarem, de certa forma, permeando as experiências religiosas, de modo que fé e razão não são tão inconciliáveis como se costuma dizer.

Outro ponto forte que eu destaco talvez seja o fato de a obra tentar mapear uma experiência que é a primeira pesquisa sobre a ciber-religião, especificamente. E eu espero que isso contribua para que outros pesquisadores possam, a partir daí, fazerem suas pesquisas, contestarem-me, se for o caso, e assim criarmos um debate acerca disso.